As edificações com certificação ambiental ganham cada vez mais espaço no Brasil e criam inúmeras oportunidades.
No entanto, mesmo com a escassez de mão de obra especializada e de leis mais transparentes sobre o assunto, trata-se de um segmento que vem evoluindo e deve ganhar cada vez mais espaço e gerar muitas oportunidades, de acordo com a arquiteta Daniela Corcuera, que concedeu entrevista sobre o assunto.
AEA – Como está a construção civil do ponto de vista das certificações ambientais no Brasil?
Daniela Corcuera – Vai de vento em popa! O crescimento no Brasil de empreendimentos certificados vem traçando uma curva exponencial nos últimos anos. São mais de 20 empreendimentos certificados LEED e mais de 20 também pelo processo AQUA.
AEA – Basicamente, como podemos definir uma construção ambientalmente correta – e digna de certificação?
Daniela – Uma construção ambientalmente correta trabalha de forma sistêmica com o seu entorno, revela preocupação em obter o melhor conforto ambiental e saudável para os seus ocupantes, busca utilizar sistemas de energia e água mais eficientes e menos poluentes. Além disso, a gestão da obra visa produzir menos impactos ambientais, utiliza materiais ambientalmente recomendáveis e prepara-se para a adaptabilidade futura.
AEA – Quais são as certificações adotadas no Brasil e as evoluções que têm ocorrido em relação ao assunto?
Daniela – No Brasil, são adotadas certificações nacionais como Procel Edifica, Selo Azul da Caixa e AQUA, além de certificações internacionais como o LEED. Em relação às evoluções, todos os sistemas passam periodicamente por revisões para a criação de metas mais altas em relação às novas normatizações e estudos científicos e para a incorporação de conceitos novos.
AEA – Quais são as maiores dificuldades para disseminar essa cultura no Brasil?
Daniela – Entre as dificuldades aponto a falta de qualificação da mão de obra, de profissionais especializados, de coordenação e de compatibilização eficaz de projetos. Um dos motivos é o fato de o assunto praticamente não ser inserido na formação de novos profissionais de engenharia e arquitetura. Por parte dos fabricantes de materiais de construção, há pouca informação e falta de transparência no que diz respeito às características dos produtos oferecidos ao mercado consumidor. Saliento ainda a inexistência de incentivos fiscais, de normatização e de legislação sobre o assunto.
AEA – A mão de obra para esse tipo de construção é diferente da de uma construção convencional?
Daniela – Sim, a mão de obra tem de ser legalizada, treinada e conscientizada quanto a aspectos e cuidados ambientais. O que pode ser difícil no inicio, mas muito recompensador para todos quando aparecem os resultados e benefícios atrelados ao conceito.
AEA – Como as escolas e cursos em geral têm contribuído para melhorar a qualidade da mão de obra?
Daniela – Creio que pouco tem sido feito em escolas para preparar a mão de obra nesse sentido. No entanto, tenho visto as iniciativas das construtoras em treinar e capacitar profissionais.
AEA – Com o aquecimento da economia nos últimos anos e principalmente da construção civil, como fica esse cenário?
Daniela – Ainda são poucos os profissionais que dominam o tema e a maioria das consultorias estão nas mãos de poucos especialistas.
AEA – Uma construção realizada dentro dos padrões ambientalmente corretos fica mais cara do que uma convencional?
Daniela – Pode ficar até 10% mais cara, mas não é uma regra já que a sustentabilidade na construção começa por um projeto inteligente e eficiente.
AEA – Existem materiais disponíveis suficientes para que as construções adotem um sistema dentro dos padrões exigidos para certificação?
Daniela – Sim, porque as exigências quanto aos materiais ainda são tênues e não supõem a análise de ciclo de vida do material, diferentemente de alguns sistemas utilizados no exterior.
AEA – Que tipos de edificações normalmente têm certificação ambiental – residencial, comercial, industrial?
Daniela – Predominam as edificações comerciais, já que a certificação é utilizada como ferramenta de venda principalmente e, em alguns casos, serve como reforço da marca do empreendedor.
AEA – Em que regiões do País estão?
Daniela – A maioria dos empreendimentos certificados concentra-se na região Sul do Brasil, mas há vários outros em processo de certificação em outras partes do País.
AEA – De maneira geral, como os profissionais do ramo no Brasil (arquitetos e engenheiros principalmente) enxergam a certificação ambiental das construções? Eles têm se tornado mais conscientes em relação ao assunto?
Daniela – A maioria dos profissionais entende que a certificação deve ser uma consequência natural de um empreendimento construído com consciência ambiental elevada. É assim que deve ser, mas infelizmente alguns poucos empreendedores visam apenas o selo e deixam de aproveitar os demais benefícios ambientais que o processo traz.
AEA – Quais as expectativas desse mercado para os próximos cinco ou dez anos?
Daniela – As expectativas são altas. Os próximos edifícios devem ser mais eficientes em relação ao consumo de água e de energia e à redução de resíduos durante a obra. Também devem dispor de espaços mais saudáveis e seguros que demandem menos matérias-primas na sua construção.
AEA – Par resumir: por que o conceito de sustentabilidade é tão importante num setor como o da construção civil?
Daniela – O termo sustentabilidade só faz sentido na medida em que se entende a necessidade de requalificar a arquitetura. Com a revolução industrial, as construções foram sendo feitas de formas cada vez mais ambientalmente insustentáveis. Como o setor da construção civil é um dos grandes responsáveis por mais da metade da geração de resíduos e do consumo de matérias primas, urge se criar um novo modelo de construção que viabilize a sustentabilidade da espécie humana no seu planeta, sem colocá-la em risco como ocorre atualmente. Acredito que dentro de alguns anos essa será uma questão incorporada naturalmente e que não precisará ganhar destaque para ser reconhecida.